É temporada de chuvas. A umidade toma conta de tudo. Chove o dia todo sobre todos. Dos alunos a caminho das escolas no horário vespertino e sobre os garçons que retornam às suas casas depois do extenuante trabalho noturno. As roupas nos armários ficam geladas, cheiram a mofo. Os calçados sem uso adquirem uma aveludada camada branca sobre o couro amolecido. As casas de alvenaria ganham manchas esverdeadas nas paredes e as de madeira apodrecem um pouco mais. E tem a guerra de lama, com os pneus dos veículos apressados jogando barro nas barras das saias das mocinhas distraídas. E os ciclistas e motociclistas comparecem a todos os atos civis, religiosos e militares decorados com uma simbólica lista amarronzada na parte posterior do corpo, pelo capricho das rodas desses veículos, muito usados por estas bandas.
Do teclado de meu computador quase espirra água. A tela do monitor me parece um grande e lacrimejante olho.
E um pouco pra fugir da chuvarada e outro pouco para passear, resolvo pensar em outras partes do Brasil, nessa mesma época do ano. O Rio de Janeiro, com seu sol, seu mar e suas mulatas. Minas Gerais cheirando à boa cachaça. Nordeste de luz e calor. E o sul, quase sempre seco. Mas não há fuga possível. O Rio de Janeiro, com suas mulatas voluptuosas, úmidas e gostosas, me lembra as águas do Rio Juruena que, com a mesma languidez e a mesma cor das mulatas, rebola e rola até abraçar-se ao Rio Teles Pires, dando à luz ao Rio Tapajós. Todo ano, previsivelmente, há desmoronamentos de encostas por causa de chuvas. O mesmo em Minas e litoral norte de São Paulo. O nordeste seria um bom destino, não fosse tão longe e caro. Assim também o sul. Ligo a TV e é Carnaval. O sambódromo cheio de alegorias evocativas dos muitos índios, minérios, matas e rios dessa aquosa Amazônia que queria esquecer, mas só por um dia, para fugir da umidade sufocante do ar.
Consola um pouco saber que depois da chuvarada recomeçamos. Matas viram toras, que viram tábuas; matas viram buracos, que viram diamantes. Mato seco vira pasto verde e estes viram bois gordos. “Juquiras” viram café, abacaxi, urucum, pimenta do reino, guaraná, cacau, látex, arroz, feijão, milho. E tudo isso vira emprego, renda, esperança.
Assim, ano a ano escorre a Amazônia, a despeito dos inúmeros padres e missionários, muitos formados em geologia, biologia e botânica, prestando serviços “made in sisteart USA”, baseados nas inúmeras aldeias, cada uma delas assentada sobre uma grande reserva “bio-tudo”. A terra que poderia gerar rapidamente mais riquezas para todos os brasileiros só serve, por ora, de sepultura aos esquálidos paranaenses, canoeiros, goianos, salumãs, gaúchos, ianomâmis, baianos e demais brasileiros que por aqui sempre estiverem ou se aventuraram no intuito de rasgar essa imensa cortina verde e mostrar ao mundo a pujança que ela esconde.
De lá, da aridez e improdutividade do planalto central, só vêm notícias de mais mofo e muita lama, embaçando sonhos, escandalizando os jovens e envergonhando os adultos.
Mas ficamos aqui, esperando melhoras. Num dia, ávidos de sol. Noutros, cegos de luz. E quase sempre secos de justiça social.
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