As ONGs foram concebidas como grupos de cidadãos que se proporiam a realizar funções típicas estatais, mormente nas áreas de educação, assistência social e defesa civil, em decorrência da insatisfação com a atuação política. E nesse labor cívico, esses grupos disseminariam idéias e executariam ações objetivando mudar aquilo que acreditavam estar errado ou se lhes afigurava injusto, em face da omissão ou insuficiência das ações governamentais.
Celebridades ou não, religiosos, políticos, intelectuais, lideranças sindicais e populares, assim organizados, buscariam construir uma sociedade mais justa e mais solidária; conscientizariam os demais cidadãos para a necessidade e utilidade de uma atuação mais crítica, produtiva e eficiente; buscaria inovadoras alternativas de soluções aos graves problemas sociais do meio em que atuam, preservando, obtendo ou conquistando diretamente seus direitos, em contraposição à má vontade ou a morosidade dos meios oficiais.
As ONGS legítimas, como inicialmente concebidas, executariam sem custos ao Estado e complementando a atuação deste, ações que fizessem cessar ou reduzir as mazelas sociais.
Iniciativas da sociedade descontente com a atuação governamental, as ONGs legítimas devem ter como base do sucesso e legitimidade de sua ação a união das pessoas e o serviço voluntário.
Voluntário é aquele que faz espontaneamente; realiza por vontade própria, sem ser obrigado a tal e sem visar benefício pessoal. Voluntário é a pessoa que se apresenta para realizar uma tarefa sem que ninguém peça, sem que ninguém exija e sem exigir nada em troca.
Vale lembrar que o voluntariado autêntico é o conjunto de ações de cidadania que mais se desenvolve no mundo. Em todo o mundo existem pessoas que dedicam parte de seu tempo ou de seus conhecimentos para ajudar o próximo mais necessitado ou para resolver problemas comunitários. O voluntariado autêntico, dado sua importância no esforço de melhoria das condições sociais, é conhecido como o “3º Setor” de desenvolvimento e progresso. O 1º setor seria o setor público (esforços e ações dos Governos); o 2º setor seria o setor privado (esforços dos trabalhadores, empresários e autônomos).
A sociedade receberia, então, além das atenções dos governos e dos setores da economia privada, as atenções dos voluntários que prestariam serviços que, se fossem pagos, custariam uma grande fortuna.
Que bom fosse assim. Mas nem sempre é.
Infelizmente se verifica que muitos desses movimentos dito “populares” são utilizados por pessoas interessadas em viver à custa de contribuições dos seus associados, de simpatizantes e, o mais grave, das nossas suadas verbas públicas, tirando todo tipo de proveito pessoal da posição privilegiada que ocupam nos órgãos de direção de suas respectivas entidades. Algumas ONGs nem sempre são conhecidas e, de regra, não se vêem resultados sociais práticos. Muitas delas são usadas como um método governamental de obtenção de apoio político “comprado” (ou “mega mensalão das ONGs”), coisa não muito rara nos dias que correm.
É lícito pensar que boa parte das verbas públicas repassadas para algumas ONGs, longe de se transformar em ações concretas para a clientela carente e necessitada se transforma, não raro, em remuneração gorda, pessoal e ilícita de seus dirigentes que, a rigor, deveriam estar fazendo trabalho voluntário, como rezam seus estatutos.
A Controladoria-Geral da União já sabe que entre 1999 e 2006, cerca de 8.000 ONGs e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips) já receberam cerca de R$ 33 bilhões de reais (sim, 33.000.000.000,00 !!!!) para atuar onde o Governo aparentemente não atua.. Do Rio Grande do Sul (Jornal Correio do Povo de 22/05/2006), nos vem notícia de que só lá nos pampas gaúchos mais de cinco mil ONGs recebem recursos de prefeituras para a prestação de serviços que deveriam ser prestados pela Administração Pública, em diferentes áreas; do Rio de Janeiro se soube de doações do governo para ONGs “educacionais” ligadas a Anthony Garotinho, denúncia que inviabilizou sua pré-candidatura à Presidência da República. O Tribunal de Contas da União aponta bilionários desvios de verbas públicas repassadas para ONGs e Oscips. A Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, descobriu desvios que somam R$ 110 milhões. Em 2007 o Orçamento da União previu repasses de R$ 3 bilhões (isso mesmo: R$ 3.000.000.000,00 !!!!!) para ONGs e Oscips !!!.
É tanto dinheiro e tanto problema que se discutiu a instalação, no Senado, da chamada “CPI das ONGs”.
Algo está errado. Afinal, uma organização não governamental não deveria ser justamente, não dependente de verbas do Governo?
Ora, as ações governamentais devem ficar a cargo dos Ministérios, Secretarias, Departamentos e demais órgãos estatais, que já nos custam o olho da cara. Nada impede que uma ONG ou OSCIP ajude nessas ações, mas de forma voluntária e sem custos adicionais ao Estado. O contrário disso não pode ser admitido, ou seja, não se pode admitir que uma ONG ou uma OSCIP receba verbas públicas para fazer o que ao Governo compete fazer!!. As ONGs e OSCIPs devem ser complementares e não substitutas do Governo na realização de suas funções!
Não é justo que o contribuinte pague duas vezes, mantendo o governo e mantendo as ONGs para que se faça a mesma coisa. Ou pior: para, ao final, não receber serviços nem de um e nem de outro. A não ser que se mude o slogan da propaganda oficial para “Brasil: um País de tolos”.
Acreditamos que está na hora da sociedade brasileira em geral e do Ministério Público em particular lançarem um olhar mais agudo, atento e crítico a esses vergonhosos e bilionários repasses de verbas públicas para determinadas ONGs e OSCIPs, muitas delas absolutamente anônimas e até mesmo fantasmas, que criminosamente transformaram trabalho voluntário em rentável e ilícito negócio.
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Gilmar da Cruz e Sousa, advogado militante em Juina-MT.
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